Por Sthela Maria Murad Regadas, cirurgiã coloproctologista e mentora do ELISA, projeto de mentoria para médicas que ocupam áreas ainda dominadas por médicos

Muitos falavam que cirurgia era para homens, porque mulher jamais seria capaz de atuar na rotina de centro cirúrgico. Também ouvi que mulher não tem condicionamento físico para ser cirurgiã. Lembro como se fosse hoje o dia em que ouvi esses comentários desnecessários, quando ainda cursava a residência médica em cirurgia nos anos 80. Felizmente, essas palavras sem fundamento me fizeram agir de forma positiva, representando uma espécie de combustível para a minha jornada profissional e pessoal.
 

Sempre fui movida a desafios. Não sei se há uma explicação, mas são exatamente eles que me dão forças para conquistar os meus objetivos. Quanto mais desafiador, mais vontade eu tenho de provar ao mundo que sou capaz. Após concluir a residência em cirurgia, optei pela especialização de coloproctologia, área que estuda as doenças do intestino grosso, reto e ânus, e ainda tem maior representação masculina.
 

Em uma turma de 12 pessoas, só tínhamos duas mulheres: eu e uma colega. Achei que já havia enfrentado tantos desafios na minha carreira, mas o preconceito ainda estava lá. Em uma sala quase 100% masculina, alguns colegas faziam piadas depreciativas, insinuando que a colocoproctologia não era uma área para mulher, mas eu nunca fui para a casa chorando ou pensando em desistir. A vontade de mostrar que a mulher pode ser bem-sucedida em qualquer área que deseje atuar sempre foi clara para mim. A minha arma contra esses ataques foi me preparar para ser a melhor na área que eu escolhi exercer.
 

Atuo hoje como cirurgiã coloproctologista e me tornei mãe de 2 filhas que se espelharam em mim e também querem cursar medicina. Disseminar essa experiência que mostra a força da mulher virou uma missão. Hoje, participo do projeto ELISA (Edições de Livre Iniciativa de Solidariedade e Apoio), criado pela Medtronic, líder em tecnologia médica, para incentivar e fortalecer a presença das mulheres em áreas com maior participação masculina.
 

Logo me identifiquei com a proposta do projeto, pois é uma forma de desestabilizarmos o preconceito estrutural e criar uma rede de sororidade para nossas colegas médicas que estão no início da jornada. Qualquer profissional, independentemente da carreira escolhida, precisa ser valorizado pelo conhecimento, desempenho, empatia e respeito pelas pessoas, e não pelo seu gênero.
 

Não vou romantizar que ser mãe e médica é uma tarefa fácil. Passei por muitos plantões com as minhas filhas pequenas em casa, enquanto estava trabalhando. Mas nunca acreditei que fosse necessário abrir mãe da maternidade por conta da medicina. Foram anos de estudo, renunciei lazeres para atingir os meus objetivos, mas valeu a pena.

 

A maternidade foi um desafio, mas nunca um empecilho. Tudo o que eu fiz também foi por elas. Eu as trouxe para o contexto da medicina e as ensinei a vibrar com cada avanço na saúde e a importância da profissão para ajudar a salvar vidas. Hoje, tenho a sensação de missão cumprida, tanto como mãe quanto como profissional da saúde. E se fiz a diferença na vida das minhas filhas, quero também ajudar jovens médicas a não se intimidarem com nenhum obstáculo.