Agência Brasil - São Paulo
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Receber o aviso da morte de um familiar por videochamada, não ter um ritual de despedida e não abraçar os amigos foram algumas das situações vivenciadas nas fases mais agudas da pandemia de covid-19. “Ali, a gente estava dentro de um processo de luto coletivo. O mundo que a gente conhecia mudou”, relembra a psicóloga Samantha Mucci.
Ela, que é professora do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), foi uma das idealizadoras, em maio de 2020, do Programa de Acolhimento ao Luto (Proalu). A iniciativa segue ativa e faz atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para todo o país.
“Treinamos os residentes, na época eram cerca de 20 residentes de Psiquiatria, tudo online. Marcamos os horários de supervisão semanais e dividimos os grupos”, relembra a coordenadora Samantha. Inicialmente, o programa era voltado para familiares de pacientes de covid-19 do Hospital São Paulo, que é vinculado à universidade, mas depois foi ampliado para outras unidades. A partir de 2021, o Proalu começou a atender pessoas enlutadas – crianças, adolescentes e adultos – por perdas decorrentes de todos os tipos de morte, incluindo as que passaram por perdas gestacionais.
A coordenadora explica que são utilizadas as teorias de psicoterapia breve e do aconselhamento ao luto. No primeiro caso, para adultos, são 12 encontros virtuais; e no aconselhamento são quatro momentos. Para crianças e adolescentes, é oferecida a ludoterapia, com 16 encontros, apenas presencialmente. Os atendimentos são realizados por psicólogos, psiquiatras e residentes de Psicologia, Psiquiatria e de Medicina da Saúde da Família. “A gente abriu um grupo de voluntários e, no total agora, são 80 pessoas envolvidas”, comemora a professora.
Samantha conta que, no caso das crianças, o atendimento online foi um desafio importante. “Elas não conseguiam sustentar a atenção mais do que 15 minutos. E a gente seguiu com a orientação aos pais”, relembra. Para cuidadores, são oferecidos grupos de orientação por oito encontros para acolhimento com “o pequeno enlutado”, como as equipes se referem às crianças. Tanto adultos quanto crianças, podem se candidatar a uma vaga no programa por meio do e-mail ou pelo site. É preciso enviar nome, número da carteira do SUS e celular.
Pelo menos 120 crianças fora de São Paulo aguardam atendimento. Segundo a coordenadora, o programa busca financiamento para desenvolver uma plataforma digital que possibilite os atendimentos online com essas crianças. “[A plataforma teria] outros recursos para que a criança pudesse desenhar, a gente tem alguns jogos que são específicos, livros, historinhas que a gente possa desenvolver com a criança sobre a questão do processo da morte, do luto”, propõe.
Quando buscar ajuda
“Tristeza, choro, sentir saudade é natural”, aponta a psicóloga. Ela destaca que o luto é subjetivo e cada um vivencia de formas diferentes. “Depende de muitos fatores, das crenças, dos valores, o que você pensa sobre a vida, sobre a morte, mas principalmente da qualidade da relação que você tem com aquela pessoa que você perdeu”, pontua.
Samantha descreve esse movimento como um pêndulo “Uma hora você está mais preocupado em retomar sua vida: "Eu tenho que continuar, eu tenho que cuidar de mim, vou ter que me adaptar, é uma realidade dolorosa, mas tenho que me adaptar’. E no mesmo dia, você sente falta, acha que não vai dar conta, fica mais difícil, mas depois você consegue voltar e retomar. Se você consegue fazer esse movimento do pêndulo, é um processo natural.”
Acontece que, durante o processo de luto, cerca de 10% a 15% dos casos, de acordo com a literatura, podem seguir para o adoecimento. Samantha explica que é fundamental observar se há um movimento de retomada. “Complica se a pessoa não consegue ir retomando. Ela vai ficando voltada só para a perda. Ela fica presa no que viveu com aquela pessoa, no que ela sente falta, na ausência da pessoa na vida dela e começa a perder interesse por coisas que ela gostava”, exemplifica.
Psicoeducação
Uma das iniciativas do Proalu é a psicoeducação em luto. O grupo utiliza um perfil do Instagram para apresentar dicas de leituras, filmes, podcast, entre outros recursos que podem ajudar pessoas que estejam em luto ou que desejam aprender mais sobre o assunto.
O programa também desenvolve seminário e formações para que profissionais de saúde saibam mais sobre terminalidade e luto. Também estão sendo produzidas cartilhas e manuais.