Projeto liderado pelo Instituto Maramar, com apoio da ANAMMA e Instituto Trata Brasil, traz plataforma online inédita de engajamento político com a sociedade com o intuito de construir diagnósticos participativos em municípios da Baixada Santista

O acesso ao saneamento básico no Brasil ainda está além do ideal. De acordo com dados oficiais, cerca de 35 milhões de pessoas residem em áreas sem acesso à rede de água potável, e quase 100 milhões estão em locais sem acesso à rede de coleta de esgoto (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento -- SNIS, ano de 2020). Soma-se a isso fatores de riscos para a saúde humana, como as internações causadas pelas doenças de veiculação hídrica (diarreia, leptospirose, malária, dengue, esquistossomose, entre outros). Em 2019, o país registrou 273 mil internações de doenças causadas pela ausência dos serviços de saneamento básico. A economia também é afetada em áreas sem saneamento. Pessoas adoecidas tendem a se ausentar das atividades escolares e/ou profissionais com mais frequência, afetando diretamente a produtividade. Um estudo feito pelo Instituto Trata Brasil, em 2018, mostrou que o acesso ao saneamento básico traria efeitos sobre a produtividade do trabalho na ordem de R$ R$ 190,3 bilhões em 20 anos.

O acesso ao saneamento básico no país tende a ser mais precário em regiões não urbanizadas, ou irregulares dentro ou fora de áreas urbanizadas. Em um país de dimensões continentais, nas localidades sem acesso formal ao saneamento básico, a provisão da água e do esgotamento sanitário pode ser feita usando outras tecnologias e/ou técnicas, utilizando o saneamento de base natural, respeitando exigências técnicas de órgãos competentes para que o meio ambiente não seja agredido, bem como a saúde humana não seja comprometida.

Pensando nesse viés, o Instituto Maramar, em apoio com da Associação Nacional dos Órgãos Municipais de Meio Ambiente -- ANAMMA e Instituto Trata Brasil, lança o projeto “Saneamento de Base Natural na Baixada Santista”, com o objetivo de colher informações de bairros que dependem do saneamento não convencional e, posteriormente, oferecer suporte para as prefeituras a fim de que estes dados sejam sistematizados para construção de políticas de saneamento.

O instrumento do projeto se dá pela plataforma Citizen Lab, plataforma internacional de engajamento político para projetos de transformação social. No Brasil, a Baixada Santista é a primeira região a integrar a plataforma por meio do projeto gerenciado pelo Maramar, em parceria com ANAMMA e Instituto Trata Brasil. Citizen Lab já foi utilizada pelas prefeituras das cidades de Seatle e Whicita, nos Estados Unidos, e Lancaster, na Inglaterra. “A plataforma reúne a sociedade civil, organizações públicas e outros interessados, para juntos discutirem as propostas referentes ao tema do projeto, nesse caso saneamento, e propor soluções em conjunto. É possível fazer um acompanhamento de cada proposta e entender quais os passos estão sendo tomados pelos atores envolvidos”, contou Regina Egger, coordenadora do programa de participação digital da Humana, parceira da plataforma CitizenLab no Brasil.

Santos (SP) é a primeira cidade a aderir o projeto “Saneamento de Base Natural na Baixada Santista”, dentre os nove municípios convidados. A partir de agora, servidores públicos indicados pela Secretaria de Meio Ambiente da cidade irão acompanhar os trabalhos dentro da plataforma. Ainda que Santos tenha ocupado a 1ª posição do Ranking de Saneamento Básico do Instituto Trata Brasil pelo 3º ano consecutivo, o município do litoral paulista quer estar junto do diagnóstico a ser feito pelo projeto por meio do Citizen Lab para alcançar comunidades ainda não atendidas com saneamento básico. “Para nós, saneamento básico é um item fundamental para o desenvolvimento da cidade, e ingressamos no projeto para poder estar junto desta construção de conhecimento, pois entendemos que há lugares ainda sem os serviços e que necessitam de nosso suporte”, disse Marcos Libório, secretário de Meio Ambiente de Santos.

Com o Marco Legal do Saneamento (Lei Federal 14.026/2020), o país cria novas regras para o setor de saneamento básico. Uma das premissas da nova Lei Federal é que até 2033, 99% da população precisa ter acesso à água e 90% da população deve ter coleta e tratamento de esgoto. Estes locais também precisarão estar integrados à meta nacional, desta forma, o projeto visa ouvir estas comunidades, colher as percepções dos(as) moradores(as), as necessidades reais em relação ao acesso à água e esgotamento sanitário, e construir um espaço de debate e conhecimento para envolver órgãos públicos e de controle para trazer soluções a essas comunidades. “O Marco Legal do Saneamento reitera a necessidade dos Planos Municipais de Saneamento, ou Planos Regionais, se os municípios se organizarem em blocos de regionalização, isso significa que é necessário que os municípios conheçam as reais necessidades dos bairros que necessitam do saneamento de base natural como modelo de gestão encurtando as próprias metas previstas. As lideranças de bairros têm papéis centrais nesse trabalho”, explicou Fabrício Gandini, diretor do Instituto Maramar.

SANEAMENTO DE BASE NATURAL

Saneamento de base natural é a reunião de diferentes tecnologias de baixo custo que usam a natureza como parte da solução para o tratamento dos efluentes aproveitando áreas livres e quintais de forma isolada ou coletiva. A metodologia já vem sendo adotada em milhares de casos na América Latina e passa pelo conhecimento concreto das condições sanitárias da realidade de cada bairro e elaboração de soluções específicas para cada localidade com a participação dos atores locais na execução como diferencial. O saneamento de base natural tem menor custo, pois não requer uma grande área para centralizar o tratamento de esgoto. Geralmente, esta metodologia é aplicada e gerenciada por entidades não-governamentais, comunidades, órgãos públicos e pelas próprias empresas de saneamento básico.

PROJETO TAMBÉM VISA MELHORIA ECONÔMICA DAS REGIÕES

No estudo feito pelo Instituto Trata Brasil em 2018 sobre os benefícios econômicos da expansão do saneamento básico no Brasil, o turismo foi um dos pilares econômicos abordados, por ser também um dos mais afetados em relação à ausência do saneamento básico. Lagoas, praias, baías e outros espaços naturais, quando recebem uma carga de esgoto não tratado, são diretamente afetados. O ganho, em 20 anos, de acordo com o Instituto Trata Brasil, em todo território nacional, com geração de empregos e renda no turismo brasileiro é na ordem de R$ 2,1 bi por ano. “Sabemos que os nove municípios da Baixada Santista já são potenciais turísticos para o Estado de São Paulo e para o Brasil, portanto, ter um diagnóstico mais aprofundado de alguns destes locais nos permite entender o quanto a sociedade local pode se beneficiar no futuro com o turismo, e outros ganhos socioeconômicos, se o saneamento básico for solucionado”, argumenta Luana Siewert Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil.

Destaque para o fato que esses bairros que necessitam de saneamento de base natural dos municípios da Baixada Santistas, a serem convidados para integrarem o projeto, aparentemente pouco adensados, são na realidade foco de visitação de turismo de aventura, ecológico e de vivência. Nestes ambientes com muitas casas de veraneio, o modelo de saneamento de base natural se mostra como um novo e importante paradigma a ser adotado em boa parte do litoral paulista. Infelizmente, muitos destes bairros ainda contam com índices baixíssimos de potabilidade de água e tratamento de efluentes exemplares com sistemas complementares e terciários até sua destinação final.

PRÓXIMOS PASSOS DO PROJETO NA BAIXADA SANTISTA

O objetivo é colaborar com geração de informação dos tantos bairros que dependem do saneamento de base natural ao longo dos nove municípios da Baixada Santista para que eles possam ingressar aos poucos à plataforma Citizen Lab. Para tanto, o presidente da ANAMMA do Estado de São Paulo, Cláudio Scalli, reforça que é imprescindível a participação dos municípios. “Estamos conversando com todas as secretarias de meio ambiente dos nove municípios para que eles possam aderir ao projeto de maneira gratuita, indicando até três servidores públicos para que possam estar conosco nesta construção do diagnóstico participativo. É um trabalho primoroso de auxiliar as prefeituras na construção de conhecimento sobre localidades em que exista o problema da falta de saneamento básicoCom os resultados obtidos nesse trabalho, as prefeituras participantes terão elementos para posterior elaboração de projetos básicos com objetivo de futuras captação de recursos financeiros para realização de obras”, esclareceu Scalli.

As etapas estão disponíveis no site do projeto. O projeto tem previsão para acontecer até janeiro de 2023, quando os municípios irão receber relatórios com as propostas e resoluções tomadas durante o processo de engajamento na plataforma Citizen Lab, e irão poder trabalhar na construção de políticas para estes locais, envolvendo também as empresas de saneamento e as agências reguladoras.