Segundo a Federação das Associações de Doenças Raras Norte, Nordeste e Centro Oeste, maioria dos 13 milhões de brasileiros raros enfrenta incertezas sobre tratamento
São Paulo, fevereiro de 2022 -- O último dia de fevereiro é marcado como o Dia Mundial das doenças raras. A data, que surgiu a partir de uma iniciativa europeia em 2008, não foi escolhida à toa. Originalmente, 29 foi o dia eleito, por ser raro e acontecer apenas em anos bissextos. Nos demais anos, a data é lembrada no dia 28.
O objetivo é ampliar a conscientização da sociedade sobre a existência dos mais de 7 mil tipos de doenças raras, que acometem até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Só no Brasil, são 13 milhões de raros.
Segundo Mônica Aderaldo, presidente da Federação das Associações de Doenças Raras do Norte, Nordeste e Centro-oeste (FEDRANN), pessoas com alguma dessas condições enfrentam um verdadeiro desafio contra o tempo, que começa nos obstáculos encontrados na jornada em busca do diagnóstico precoce e preciso. “Para a maioria, a conclusão sobre a doença chega muito tarde ou mesmo de forma equivocada”, explica.
Além das dificuldades físicas, biológicas e até mentais inerentes às doenças raras, os pacientes constantemente ainda têm que lidar com a falta de acesso ao arsenal terapêutico adequado para tratamento.
É o caso de Sarifa Santos, de 61 anos, diagnosticada em 2018 com amiloidose hereditária associada à transtirretina (hATTR), uma doença genética, rara e de rápida evolução. Se não tratada adequadamente em cada estágio (I, II e III), causa o acúmulo de proteínas nos tecidos dos órgãos, mudando a estrutura e o funcionamento deles, podendo levar a pessoa ao óbito em até 10 anos, após o início dos sintomas1.
A jornada da moradora de Manaus (AM) em busca de diagnóstico durou cerca de dois anos e custou consultas a diversos especialistas, até ser encaminhada a um neurologista que chegou à conclusão correta com base em exames genéticos. Não bastante, a paciente esperou por mais um ano para ter acesso ao medicamento que trataria sua condição, que ainda estava em estágio I. “Nesse intervalo sinto que a doença progrediu bastante. Meu irmão também começou a apresentar sintomas e foi diagnosticado quase junto comigo, mas de uma forma muito mais rápida, afinal eu já estava no processo, e ele está melhor do que eu”, afirma.
A doença de Sarifa evoluiu rapidamente para o estágio II. Mas a paciente continuou se tratando com a única medicação disponível no Brasil, indicada apenas para o estágio mais inicial da hATTR. Tal fator contribuiu para que ela chegasse ao estágio III, o mais avançado de todos, que leva a paralisia das pernas. Já existem outros medicamentos, tecnologicamente mais avançados, inclusive, para tratar a doença. Mas ainda não foram disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A prova de que o tratamento adequado é fundamental para garantir a qualidade de vida dos pacientes de doenças raras pode ser observada na história de Iuri Caliman, de 25 anos, que tem distrofia muscular de Duchenne (DMD). A doença genética é rara, degenerativa e tem como principal sintoma a fraqueza muscular progressiva2.
“Aos 6 anos fui diagnosticado e tratado para a doença errada e isso me causou alguns danos musculares, principalmente no joelho. Porém, ao me consultar com outro especialista, tive a confirmação da DMD e pude iniciar o tratamento correto. Sigo sabendo que é uma doença progressiva que precisa de acompanhamento contínuo”, explica Caliman, que trabalha como programador e vive em Aparecida de Goiânia, no estado de Goiás.
O tratamento adequado é fundamental para desacelerar ou frear a progressão de doenças raras, amenizar sintomas e garantir qualidade de vida aos pacientes, segundo Mônica. Ela explica que os brasileiros raros têm o direito a ter acesso aos novos medicamentos, com mais rapidez. “É preciso que haja mais parceria entre a sociedade, as associações de pacientes, os congressistas e os órgãos públicos nos trâmites de aprovação, precificação e incorporação. Garantindo mais celeridade neste processo, iremos garantir qualidade de vida dos pacientes e de seus familiares. Só assim é possível minimizar os impactos das doenças raras para os pacientes que sofrem com essas condições”, afirma. Para ela, quem tem uma doença rara não pode perder tempo. “Todas são, geralmente, muito agressivas, progressivas e debilitantes. Meses podem trazer danos irreversíveis. Merecemos vida plena”.