Publicação lançada pelo NCPI fala sobre como espaços podem contribuir para o desenvolvimento infantil saudável e benefícios são refletidos para a sociedade. Cidades como Recife e Boa Vista são cases de sucesso

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e este quadro afeta de modo especial a primeira infância, que compreende a fase dos 0 aos 6 anos de idade. De acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), em 2019, 27,3% das crianças com 6 anos ou menos viviam em domicílios pobres no país.

Para ajudar a entender como essa situação afeta as crianças, o Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI) acaba de lançar o Working Paper "O Bairro e o Desenvolvimento Integral na Primeira Infância". O material mostra como um bairro pode interferir no desenvolvimento infantil e apresenta uma discussão a respeito de políticas públicas que possam, por meio da transformação do espaço urbano, contribuir para que as crianças se desenvolvam em ambientes mais favoráveis e saudáveis.

Em 2015, aproximadamente 6 milhões de famílias viviam em situação de moradia precária, principalmente nas regiões urbanas, ficando mais sujeitas a uma série de impactos negativos. Para as crianças na primeira infância, isso é ainda mais grave. Nas áreas com condições de vida piores, por exemplo, as crianças estão expostas a piores condições de saneamento básico, o que aumenta a contaminação por doenças diversas, e pode ser agravado por piores condições nutricionais.

"Há indícios de que a exposição à pobreza aprofunda os problemas de comportamento ao longo do tempo: eles aumentam com o passar dos anos a uma taxa tão mais elevada quanto piores forem as condições econômicas do bairro", explica Ciro Biderman, um dos autores do estudo. "Quanto maior a violência, vandalismo e insegurança para a criança brincar, menor o nível de desenvolvimento infantil integral. Quanto mais tempo a criança vive em um ambiente hostil, maiores são os efeitos negativos", completa.

Cidades para crianças

Por outro lado, evidências apontam para uma relação entre boas condições de moradias e o desenvolvimento infantil integral saudável. Além disso, o contato com a natureza é fator fundamental para o progresso. "Há uma relação positiva entre a proximidade a áreas verdes e o desenvolvimento emocional das crianças de famílias de baixa renda, sobretudo quando esses espaços são visitados com frequência", fala Biderman.

Para Claudia Vidigal, da Fundação Bernard Van Leer, as cidades precisam ser construídas pensando nas crianças. Para isso, é necessário levar em consideração aspectos como mobilidade, acesso a serviços e presença de espaços públicos. Esses elementos conseguem prover interações positivas. "A qualidade do ar, o contato com a natureza e a proximidade com os serviços públicos são fundamentais quando pensamos em primeira infância. Bebês respiram 4 vezes mais o ar poluído que os adultos e crianças pequenas levam o dobro do tempo para atravessar a rua. É preciso levar em consideração todos esses aspectos", conta.

Segundo ela, para construir uma cidade pensada na primeira infância, são necessário dados para buscar a equidade, participação social, planejamento focado no cuidado e bem-estar, proximidade de locais, e atenção especial aos bebês. "Eles são um princípio inclusivo. Se a cidade for boa para a criança, ela será boa para todos", explica.

Cases no Brasil

No Brasil, algumas cidades já despontam como cases de sucesso para a primeira infância. É o caso de Boa Vista, em Roraima, por exemplo. O município investe no desenvolvimento da criança pequena e no apoio às suas famílias, por meio de intervenções urbanísticas em diversos bairros e implementa políticas e serviços buscando tornar a cidade mais acolhedora, segura e lúdica.

Outra cidade que se destaca no país é Recife (PE), onde o desenvolvimento da primeira infância é uma política intersetorial. As intervenções incluem a escuta às famílias para o levantamento de prioridades, com ênfase no brincar livre e reconfiguração de centros de convivência e espaços públicos. O objetivo é transformar estes espaços em lugares de aprendizagem e do brincar com um olhar para a primeira infância. Em uma das áreas revitalizadas, houve um aumento na quantidade de crianças que usam o espaço público para brincar, de 8% para 53%.

Já em São Paulo, foram realizadas intervenções urbanas em calçadas para garantir segurança e acessibilidade a crianças e cuidadores, bem como a revitalização de espaços públicos, sobretudo parques e áreas verdes, a fim de promover a integração entre família, criança e natureza nos bairros de baixa renda.

"Os bairros impactam diretamente a vida dos pequenos e exemplos como esses mostram que é possível planejar cidades para as crianças, tendo elas no foco. Intervenções urbanas como essas colaboram com o pleno desenvolvimento infantil que, por sua vez, se reverterá para benefícios para toda a sociedade", finaliza Claudia.

Para fazer o download do Working Paper "O Bairro e o Desenvolvimento Integral na Primeira Infância", acesse aqui.

Sobre o Núcleo Ciência Pela Infância

Criado em 2011, o NCPI é uma coalizão que tem por objetivo produzir e disseminar conhecimento científico sobre o desenvolvimento da Primeira Infância para promover e qualificar programas e políticas públicas para crianças brasileiras em situação de vulnerabilidade social. O NCPI é composto, atualmente, por sete organizações: Center on the Developing Child da Universidade de Harvard, David Rockefeller Center for Latin American Studies, Faculdade de Medicina da USP, Fundação Bernard van Leer, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Insper e Porticus América Latina. Para saber mais: ncpi.org.br

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