Novo estudo do Instituto Trata Brasil aponta leve avanço nos serviços em 10 anos e estabilidade dos gastos das famílias brasileiras com saneamento


JULHO 2021 – O novo estudo do Instituto Trata Brasil, “As Despesas da Família Brasileira com Água Tratada e Coleta de Esgoto”, elaborado pela Ex Ante, traz balanço inédito sobre os gastos familiares com serviços de saneamento básico nas cidades brasileiras, comparativamente a outras infraestruturas (energia, telecomunicações, gás), bem como o que significam esses gastos frente à renda familiar. O estudo se reveste de grande importância para podermos entender o peso das despesas em relação à necessidade dos serviços de água tratada, coleta e tratamento de esgotos para a qualidade de vida dos brasileiros.

As análises feitas são baseadas em informações da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, que coletou diversos indicadores socioeconômicos das famílias brasileiras – ver metodologia no estudo completo disponível em www.tratabrasil.org.br . A unidade de análise são as famílias brasileiras e seus membros, as quais são denominadas pelo IBGE de “unidades de consumo”.

Para ilustrar o quanto é crítico o cenário nacional nesta infraestrutura, vale lembrar que o atendimento de água potável para a população do país ainda precisa evoluir para chegar à totalidade; estima-se que 35 milhões não tenham água tratada sequer para lavar as mãos em tempos de pandemia – população equivalente à de todo o Canadá. Em relação à coleta dos esgotos, mais de 100 milhões de brasileiros não têm acesso ao sistema, e menos da metade do esgoto gerado é tratado sendo descartado diretamente na natureza. Perdemos quase 40% da água potável por ineficiências nos sistemas de distribuição, especialmente por vazamentos, roubos e fraudes, erros ou falta de medição. Esses dados são do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, SNIS, ano base de 2019.

O estudo apontou que houve avanço nos serviços nos últimos 10 anos (período de 2008 a 2018), o que significa que mais famílias tiveram acesso aos serviços de água e coleta dos esgotos. O aumento foi de 2,2% ao ano de famílias com acesso às redes de água e de 3,7% ao ano de famílias ligadas às redes de coleta de esgoto. Atualizando-se monetariamente os valores, a despesa nacional média das famílias com as contas de água e esgotos não aumentou; ao contrário, houve ligeira queda de 1,0% no período, passando de R$ 68,86 em 2008 para R$ 68,20 em 2018, o que mostra que as famílias brasileiras continuaram pagando basicamente o mesmo valor, sem pressão inflacionária. Importante notar que neste mesmo ano, 2018, as despesas médias das famílias brasileiras com telecomunicação foram de R$ 117,31 e com energia elétrica de R$ 124,75, em média. No período de 2008 a 2018, enquanto as despesas médias com eletricidade e telecomunicação cresceram 4,3%e 7,6% respectivamente, as com água e esgoto caíram 1,0%.

Em resumo, o peso das despesas com saneamento na renda das famílias reduziu de 1,37% para 1,26%, ao mesmo tempo em que as famílias brasileiras gastaram mais com energia elétrica e telecomunicações. Em 2018, nas famílias mais pobres, o custo da energia representava 6% da renda mensal, as telecomunicações 5,6%, saneamento 3,7% e gás (encanado ou botijão) de 3%.

O estudo apontou a variação do valor da conta de água e esgoto dependendo do nível de atendimento prestado e outros aspectos considerados pelas empresas e agências reguladoras. Como exemplo, famílias do Distrito Federal têm um custo médio de R$ 103,93 com saneamento, enquanto as famílias do Acre têm um custo de R$ 36,56. Essa diferença se explica pelo atendimento dos serviços e poder aquisitivo das pessoas, conforme explica o autor do estudo, pesquisador e economista, Dr. Fernando Garcia de Freitas. “As diferenças no valor pago depende de vários fatores. Em Brasília, por exemplo, se concentra um maior número de trabalhadores com renda familiar bem acima de outras cidades, o serviço de água chega a 99% da população e o esgoto para 90%. Já no Acre, somente 48% da população tem serviço de água e 10% têm coleta de esgoto, então é natural que os custos médios mensais sejam menores com esses serviços, além do poder aquisitivo da população ser menor.”

De acordo com Édison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil, outro fator relevante para o estudo é a preocupação quanto à capacidade da população de pagar as tarifas de todas as infraestruturas, em especial a de água e esgotos por sua representatividade na proteção da saúde. “O setor de saneamento ainda registra grande ineficiência e parte disso acaba nas tarifas. Faz todo sentido, portanto, reivindicar que os serviços cheguem a mais pessoas, que tenham acesso a um bom serviço, pois esta condição aumenta a base dos que pagam e pode colaborar para manter os valores em níveis adequados a todas as faixas de renda”, argumenta o presidente executivo.


APROVAÇÃO DO NOVO MARCO LEGAL DO SANEAMENTO BÁSICO E AS DESPESAS DAS FAMÍLIAS

Em junho de 2020, o Congresso aprovou a Lei Federal nº 14.026, o novo Marco Legal do Saneamento, que traz novas perspectivas de investimentos para os serviços nos municípios brasileiros. Com a necessidade de todas as empresas (públicas ou privadas) comprovarem capacidade financeira de levar as cidades até as metas propostas na lei, ou seja, até 2033 chegar a 99% da população com água e 90% da população com coleta e tratamento dos esgotos. Essa obrigação amplia em muito as possibilidades de expansão da atuação das boas empresas, especialmente as do setor privado.

Para o novo cenário que se apresenta com a nova Lei, é relevante ver no estudo que, em 2018, dos R$ 61,3 bilhões arrecadados por todas as empresas de saneamento básico no país, R$ 40,4 bilhões (66%) foram provenientes das contas de água e esgoto pagas pelas famílias brasileiras; o restante veio das contas do comércio, indústria e serviços. Da base total das famílias brasileiras, 2/3 da população pagante de tarifas de água e esgotos foram da classe média baixa e classe baixa, o que mostra a importância de haver uma boa regulação a fim de proteger empresas e consumidores. Outro ponto levantado foi que as áreas urbanas representaram 86% das moradias atendidas pelos serviços, o que mostra a grande concentração nas cidades.

COMPARAÇÃO DOS CUSTOS DO BRASIL COM OUTROS PAÍSES

O estudo também comparou os custos das famílias com os serviços de água tratada, coleta e tratamento de esgotos no Brasil com o de outros países latino-americanos. Em 2018, a despesa média com esses serviços das unidades de consumo brasileiras ficou 12,6% abaixo da realizada pelas famílias chilenas e 35% abaixo das mexicanas. Na comparação com as famílias colombianas, o peso da conta de água e esgoto no Brasil (1,12%) foi inferior ao da Colômbia (1,30%).

SANEAMENTO NÃO SOFREU AUMENTO COMPARADO A OUTRAS UTILIDADES PÚBLICAS

Saneamento básico (serviços de água e esgoto) foi o único serviço de utilidade pública, dentre os que foram comparados (energia elétrica, telecomunicações e gás) que apresentou redução de despesa média. Independente da classe de rendimento familiar, estes outros serviços sofreram elevações, conforme apontam os gráficos abaixo:

Além de ser um fator positivo, entre todas as despesas com serviços de utilidade pública, o saneamento foi o que apresentou a melhor evolução, com redução da despesa média real entre 2008 e 2018. Enquanto as despesas de telecomunicações e energia elétrica cresceram respectivamente 7,6% e 4,3% em termos reais, as despesas médias com água e esgoto caíram 1% nessa comparação temporal.

DESPESAS COM SANEAMENTO POR FAIXA DE RENDIMENTO FAMILIAR

O estudo apontou que 25% das famílias brasileiras pertencem à classe de renda de até R$ 1,9 mil mensais, representando mais de 16 milhões de pessoas. Mais de 20% dessas famílias se encontravam em situação de pobreza em sete unidades da Federação, todas nas regiões Norte e Nordeste.

Além da questão da pobreza, há a questão da desigualdade elevada, medida pelo Índice de Gini. Esse índice consiste em um número entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade (no caso em que toda a população recebe a mesma renda) e 1 corresponde à completa desigualdade (onde uma pessoa recebe todo o rendimento e as demais nada recebem). O estudo apontou um índice de 0,506 para o Brasil, muito pior do que países de mercados mais consolidados, aonde a desigualdade de renda entre as famílias fica abaixo de 0,350, como Japão, Estados Unidos e as principais economias da União Europeia. Mesmo os estados do país aonde a proporção de famílias em situação de pobreza é relativamente pequena, como São Paulo e Brasília, os índices de desigualdade são muito elevados.

Mais da metade das famílias abaixo da linha de pobreza (renda diária per capita de U$ 5,50 conforme conceitos do Banco Mundial) não recebe serviços de água e/ou esgoto coletado. E, entre as famílias que recebem serviços de saneamento e pagam por eles, as despesas com saneamento são quase do mesmo valor que a das famílias que estão acima da linha de pobreza – R$ 53,92 contra R$ 69,49. Isso indica a necessidade de avançar com políticas de universalização ao sistema de saneamento concomitantemente as políticas de tarifas sociais para grupos de extrema pobreza
MAIS DE 9 MILHÕES DE FAMÍLIAS TÊM OS SERVIÇOS DE ÁGUA, MAS NÃO PAGAM
O estudo mostra também que, em 2018, 9,2 milhões de famílias não pagavam a conta de água e esgoto, o que demonstra outro desafio para as empresas operadoras e autoridades dos municípios. Nas áreas urbanas, houve aumento no número de famílias que pagavam a conta de água e esgoto, saltando de 38,2 milhões em 2008 para 46,2 milhões em 2018. Nas áreas rurais também, as saíram de 2,2 para 3,2 milhões respectivamente.

Das 49,4 milhões de famílias que têm os serviços disponíveis e que pagam, 22,1 milhões estão na região Sudeste. Olhando nos estados, viu-se que no Amapá apenas 30% da população com acesso aos serviços paga por eles, depois o Rio de Janeiro, com 52,3% pagando e o Pará com 61,2%.


PRIVAÇÃO DO SANEAMENTO BÁSICO DE ACORDO COM A RENDA FAMILIAR, IDADE E RAÇA
  • 60% de quem recebia menos de R$ 1,9 mil não tinha acesso à coleta de esgoto, o que significa que 2 em cada 3 pessoas nessa faixa de renda habitava moradias sem rede de esgoto;
  • Em famílias com rendimento médio mensal entre R$ 1.908,01 a R$ 2.862,00, a privação às redes de esgoto foi superior a 50%.
  • Já 51,7% das famílias abaixo da linha da pobreza não recebiam água com regularidade (diariamente e na quantidade exata), ou seja, 61,5 milhões de pessoas – 30% da população. 67,5% das famílias abaixo da linha da pobreza não possuíam acesso à rede de esgotos.
  • A situação das famílias que habitam as capitais é um bem melhor: 80% das famílias que habitam estas áreas tinham acesso à rede geral de coleta de esgoto em 2018;
  • Há uma carência maior dos serviços de saneamento na população jovem, com idade de até 19 anos. 1/3 dessa população não tinha acesso à água em 2018;
  • Os índices de privação aos serviços de saneamento registrados pelas populações parda, indígena e preta são maiores que a da população branca e amarela - 32% da população preta não têm abastecimento de água e 37% não têm rede de esgoto; 36,5% da população parda não tem água e 48,7% não tem esgoto; 33,7% dos indígenas não têm água e 45,2% não tem esgoto;
  • No grupo de pessoas sem instrução, o déficit de serviço de coleta de esgoto prevaleceu em 2/3 da população.
CONCLUSÃO DO ESTUDO

Ao mesmo tempo em que os serviços de saneamento básico avançaram de 2008 para 2018, foi possível detectar estabilidade dos gastos das famílias brasileiras com água encanada e coleta e tratamento dos esgotos. Significa que, mesmo sendo uma infraestrutura elementar para qualquer família no mundo, e no Brasil mais ainda, os serviços de saneamento básico não apresentaram um peso excessivo às famílias comparativamente à energia elétrica e telecomunicações. Essas outras infraestruturas, sim, apresentaram custos superiores às famílias ao longo do período estudado.

Importante notar, no entanto, que famílias abaixo da linha pobreza tiveram um peso com custos de saneamento similar ao das que estão acima em renda, o que mostra a necessidade de se aperfeiçoar as políticas tarifárias para este grupo mais desfavorecido. Outra conclusão apontada no estudo é que uma quantidade significativa de famílias com acesso aos serviços de saneamento básico não paga, principalmente pela vulnerabilidade, o que acaba sobrecarregando toda a sociedade, além de implicar em desafios maiores para as empresas e autoridades locais, responsáveis pelo saneamento básico.

Édison Carlos faz uma análise de como o estudo pode auxiliar nas políticas de saneamento básico e assim possamos caminhar para a universalização dos serviços até 2033, conforme exige o Novo Marco Legal do Saneamento Básico. “Embora a maior parte das famílias brasileiras esteja passando por grandes desafios para manter suas contas em dia, o estudo mostrou que os custos das famílias com água potável e esgotos não estão entre os vilões. Outra conclusão é que precisamos ter atenção especial ao custo para as famílias abaixo da linha da pobreza, além de termos que aumentar a base das pessoas que recebem e pagam pelos serviços de água e esgoto no Brasil, assim será mais que os serviços não comprometam o orçamento familiar”, reflete o executivo.

No que se refere à privação dos serviços de saneamento básico, o Dr. Fernando Garcia aponta os principais pontos do estudo. “É extremamente preocupante ver que os mais privados dos serviços são justamente as pessoas abaixo da linha da pobreza, fato que se repete ao longo dos anos. Até mesmo o atendimento irregular de água é muito mais comum nas casas dos mais pobres, o que também aumenta a vulnerabilidade pelo fato daquela família não receber água encanada 24 horas por dia e 7 dias por semana. O estudo oferece um olhar clínico muito relevante e chama a atenção de empresas operadoras, agências reguladoras e autoridades para a urgência de todos terem acesso aos serviços, de forma a que os custos sejam aqueles que caibam no orçamento familiar”.