Agência Brasil* - Rio de Janeiro
O pagamento do auxílio emergencial mensal pela Vale a vítimas da tragédia de Brumadinho (MG) será transformado em um programa de transferência de renda. Ele será um dos sete grupos de despesas listados no acordo assinado hoje (4) para a reparação dos danos coletivos causados pelo rompimento da barragem há pouco mais de dois anos. O benefício será pago nos moldes atuais pelos próximos três meses, quando novos critérios que ainda serão definidos deverão entrar em vigor.
O acordo, nomeado de Termo de Medidas de Reparação, foi firmado entre a mineradora, o governo mineiro, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensorias Públicas Federal e de Minas Gerais. O documento calcula o custo da reparação de todos os danos coletivos em R$37,68 bilhões. Esse valor não abarca as indenizações individuais, que são discutidas em processos judiciais e extrajudiciais separados. Incluído na parcela de danos coletivos, os repasses relacionados ao auxílio emergencial não poderão ser deduzidos das indenizações individuais.
Do montante global, R$6,1 bilhões dizem respeito ao programa de transferência de renda que substituirá o auxílio emergencial. Esse valor já inclui o que foi gasto desde a tragédia. A Vale afirma já ter destinado mais de R$1,8 bilhão para o auxílio emergencial.
Atualmente, cerca de 106 mil pessoas vêm recebendo esses repasses. Desde o ano passado, porém, a mineradora vinha defendendo sua redução gradativa até sua completa suspensão. Em sua última proposta apresentada, os beneficiados deixariam de receber os recursos em abril de 2020, o que não foi aceito pelo MPMG e pelo MPF. Já os atingidos pleiteiam uma extensão do auxílio por cinco anos.
O auxílio emergencial mensal foi estabelecido inicialmente em um Termo de Ajuste Preliminar (TAP) firmado no dia 20 de fevereiro de 2019, pouco menos de um mês após a tragédia decorrente do rompimento de uma barragem na Mina Córrego do Feijão. No episódio, ocorrido em 25 de janeiro de 2019, a liberação de aproximadamente 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos causou 270 mortes, destruiu comunidades e levou poluição ao Rio Paraopeba.
O valor dos repasses era, inicialmente, de um salário mínimo por adulto, a metade dessa quantia por adolescente e um quarto para cada criança. O TAP assegurou os pagamentos mensais por até um ano após o rompimento da barragem, ou seja, 25 de janeiro de 2020. Faziam jus ao benefício todos os moradores de Brumadinho, sem distinção. Nos demais municípios atingidos, o auxílio foi concedido a pessoas que residem até um quilômetro de distância da calha do Rio Paraopeba.
Em novembro de 2019, após a mobilização dos atingidos, o período de validade do benefício foi estendido até 25 de outubro do ano passado em um novo acordo. Junto a essa primeira prorrogação, foram pactuadas novas regras: os valores foram mantidos para pessoas que comprovadamente residiam nas comunidades diretamente afetadas pela lama e para os atingidos acolhidos em algum programa de reparação, mas foram reduzidos pela metade para os demais beneficiados abarcados pelo critério original. Em novas prorrogações que ocorreram desde então, essas regras foram mantidas.
Conforme o novo acordo, os critérios que passarão a vigorar daqui a três meses deverão levar em conta uma consulta pública e serão pactuados entre a Vale, o MPMG e a Defensoria Pública de Minas Gerais. "Serão construídos com participação das próprias comunidades atingidas e apresentados ao Juízo", afirma o MPMG.
Para o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), a Vale tem hoje o poder de decidir quem tem direito ao benefício. A entidade avalia que essa situação gera injustiças e defende que não caberia à mineradora apontar as vítimas da tragédia que ela mesma causou. No ano passado, o MPMG chegou a defender que a avaliação sobre quem tem direito ao repasse tivesse a participação de assessorias técnicas escolhidas pelos atingidos. No entanto, esse caminho até o momento não se concretizou.
A Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) chegou à apresentar ao TJMG um levantamento onde foram listados 38 grupos socioeconômicos com comprovado comprometimento de renda em decorrência da tragédia. A entidade é uma das assessorias técnicas escolhidas pelos próprios atingidos e atua em seis municípios: Brumadinho, Mário Campos, São Joaquim de Bicas, Betim, Igarapé e Juatuba.
Uma das atingidas que questiona procedimentos da Vale é Angélica Nunes Nascimento. Ela é moradora da Colônia Santa Isabel, no encontro do Córrego das Bandeirinhas com o Rio Paraopeba, na cidade de Betim. "Eu recebi o auxílio até novembro do ano passado e aí suspenderam os repasses para mim e para o meu filho. Alegaram irregularidade no endereço. Mas meu marido continua a receber normalmente", disse na semana passada à Agência Brasil.
Ela disse que, conforme solicitado, já entregou novos comprovantes de endereço, mas a situação não foi normalizada. "Estava trabalhando para a prefeitura, na escola aqui da região, mas fui demitida no dia 30 de dezembro. Agora estou desempregada, sem o auxílio e, com a pandemia, está difícil arrumar trabalho. Não tinha porque eles bloquearem meu benefício. Moro no mesmo lugar desde antes do rompimento da barragem e preencho todos os requisitos. Estou a muito menos de um quilômetro de distância do Rio Paraopeba", lamentou. A Vale assegura que realiza o repasse a todos os atingidos que estão dentro dos critérios definidos.
Barão de Cocais
Divergências em torno do auxílio emergencial também existiram na cidade de Barão de Cocais, onde desde fevereiro de 2019 centenas precisaram deixar suas casas devido ao risco de rompimento da barragem Sul Superior, também pertencente à Vale. Atualmente, 492 moradores estão abrigados em casas alugadas pela mineradora. A possibilidade de uma ruptura na estrutura foi identificada no pente-fino realizado após a tragédia de Brumadinho, que envolveu ações de fiscalização da Agência Nacional de Mineração (ANM) e do MPMG. Houve casos em que a própria Vale se antecipou e interrompeu as operações de determinadas barragens.
Os atingidos em Barão de Cocais também conquistaram o direito ao auxílio emergencial mensal em junho de 2019. Em setembro do ano passado, a Vale apresentou à Justiça mineira uma petição sustentando não haver mais motivo para a manutenção do benefício e que estendê-lo seria assistencialismo, o que seria atribuição do poder público.
Os argumentos, no entanto, não foram aceitos. O juiz Luís Henrique Guimarães de Oliveira se alinhou à posição apresentada pelo MPMG e do MPF, que defenderam a prorrogação dos repasses por mais um ano. “Não me parece razoável exigir que pessoas que se viram atingidas nesse processo corporativo, por fato desastroso imputável exclusivamente à ré, venham a alterar todo seu estilo de vida de forma abrupta”, registra a sentença publicada em outubro.