Final do século 19. Em franco desenvolvimento, o setor cafeeiro impulsiona o Estado de São Paulo e a cidade paulista, então a 11ª maior do Brasil, explode. Separada apenas pela Serra do Mar, Santos, com forte tendência abolicionista, acompanha esse crescimento e torna-se a principal porta de entrada de imigrantes no País. Entre dois e três milhões de pessoas, segundo o Museu da Imigração do Estado de São Paulo, entraram pelo cais santista, atraídas por novas chances de trabalho, fugindo de crises econômicas ou de políticas religiosas.
O cenário tornaria o Município uma terra de diversas nações. Africanos, alemães, árabes, espanhóis, italianos, ingleses, franceses, gregos, japoneses, portugueses formam uma verdadeira mistura de sotaques, culturas, religiões e tradições que estarão representados no 1º Festival do Imigrante (https://www.santos.sp.gov.br/
Considerando os fluxos migratórios antes e depois da Segunda Guerra Mundial, italianos, portugueses e espanhóis estão entre os principais imigrantes. ‘’Havia um País enorme, em crescimento, e precisando de gente para trabalhar’’, frisa o diretor-presidente da Fundação Arquivo e Memória de Santos (Fams), Sérgio Willians. Mas nem todos que passavam por Santos se estabeleciam na Cidade. “A maior parte seguia para São Paulo. Mas Santos, por ter o Porto, fez com que muitos se fixassem aqui”, explica a historiadora da Fams, Karime Moussalli.
Itália
A grande imigração de italianos começou em 1836, quando vinham atrás das plantações de café. O processo se intensificou no final do século 19 e o Museu da Imigração de São Paulo estima que, de 1887 a 1908, um milhão de pessoas, em grande parte italianos, entraram no Brasil.
Em Santos, a herança da influência italiana é vista em vários locais. A casa acastelada no Outeiro de Santa Catarina, erguida pelo médico italiano João Éboli, o Banco Italiano de Santos, exemplo da arquitetura veneziana na Rua XV de Novembro, e o prédio Itália, na Avenida Ana Costa, onde fica a Sociedade Italiana de Santos, fundada em 1887.
A prática da bocha, muito comum na Cidade, é originária da Itália, e nosso tamboréu é uma variação do tamborello italiano. Na culinária, a marca é o gosto pelas massas, risotos e pizzas. ‘’A Baixada Santista é o berço de tudo isso. Temos uma influência muito forte da comunidade’’, destaca Rodolfo Nicastro, vice-presidente da Sociedade Italiana de Santos.
Portugal
As heranças de Portugal são diversas. De acordo com o Memorial do Imigrante, cerca de um milhão de portugueses cruzaram o oceano até a década de 1960. Segundo o historiador Luiz Henrique Portela Faria, proporcionalmente, Santos tem a maior colônia de portugueses do País. ‘’Muitos imigrantes eram abastados e vieram para investir capital’’.
É o caso do português Mathias Casimiro Alberto da Costa, casado com Anna Costa (que deu nome a uma das principais avenidas de Santos). Ele batizou um dos bairros mais importantes da Cidade, a Vila Mathias, abriu a Avenida Ana Costa e implantou o primeiro bonde seguindo do Centro para a praia.
‘’Foi na Vila Mathias que nasceu a comunidade fadista’’, afirma Faria, destacando entre as heranças arquitetônicas o imóvel do Centro Português (raro exemplar de estilo neomanuelino fora de Portugal), da Casa da Madeira e da Sociedade Portuguesa de Beneficência (projeto neocolonial do português Ricardo Severo). Com forte aptidão para o comércio, os portugueses se espalharam pela Cidade abrindo inúmeros estabelecimentos como mercearias e bares.
Espanha
Por volta de 1880, os tempos difíceis da Europa trouxeram muitos espanhóis ao Brasil para trabalhar na agricultura. Em 1895, surge em Santos o Centro Espanhol, importante referência para a comunidade na Avenida Ana Costa, 286. ''Ele é reconhecido pelo governo da Espanha porque representa uma forte referência para a colônia’’, destaca Ana Maria Torres Alvarez, diretora da biblioteca e da escola de língua da instituição.
Segundo ela, há uma estimativa de que cerca de 16 mil espanhóis e descendentes vivam na Baixada Santista. A colônia está presente no comércio, na pesca, construção, bares e restaurantes.
Sem contar que Santos tem ruas com nomes de personagens ilustres da Espanha, como José Caballero, dono de uma casa de banhos no Centro em 1876, e que hoje batiza a rua do Gonzaga.
Alemanha
Cerca de 260 mil alemães desembarcaram no Brasil entre 1824 a 1972. Em Santos, começaram a chegar em 1827. ‘’Foram os primeiros imigrantes do Estado de São Paulo, que vieram para colonizar o sul do País. Muitos eram comissários de café e vinham até com maquinários’’, explica Sérgio Willians.
A relação entre Santos e Alemanha é marcada pela saga do navio Windhuck, a mais moderna embarcação germânica dos anos 1930. Quando Adolph Hitler invadiu a Polônia, em 1939, o comandante interrompeu o cruzeiro pela África para refugiar-se na América do Sul, aportando em Santos com 120 tripulantes. Muitos se radicaram por aqui e transformaram-se em cozinheiros. Um deles, Karl-Heinz Misfeld, fundou o Bar Heinz em 1960, até hoje referência na Rua Lincoln Feliciano, 104, Boqueirão.
Outras curiosidades: é do arquiteto alemão Maximilian Emil Hehl o projeto da Catedral da Cidade. E a Igreja Evangélica Luterana, na Avenida Francisco Glicério, 626, foi fundada em 1935, tendo ao lado a Missão Alemã aos Marinheiros, onde os marinheiros alemães encontravam um ambiente acolhedor para horas de lazer na Cidade.
França
Estima-se que cerca de 100 mil franceses imigraram para o Brasil entre 1850 e 1965. São Paulo, nos idos de 1920, concentrava a maior parte, e Santos recebeu uma boa quantidade.
Uma das maiores referências é a Aliança Francesa, na Rua Rio Grande do Norte, 98, na Pompeia. A instituição foi fundada em Paris, em 1883. ‘’Temos muitos franco-brasileiros e somos um ponto de apoio importante para a comunidade. Ao ensinar o idioma, ajudamos não só a difundir a língua, mas um pouco da cultura e dos hábitos franceses’’, afirma Maria de Lourdes Beco, diretora da unidade santista.
Como parte do legado, Lourdes destaca a influência arquitetônica, vista no Salão Nobre Esmeraldo Tarquínio, na Prefeitura de Santos, no imóvel dos Correios, no Centro, e na Igreja do Embaré. ‘’Temos também dois colégios fundados por irmandades francesas, o Stella Maris e o São José’’. Sem contar a sala de cinema da Vila Criativa da Vila Progresso, que leva o nome do ator, cinéfilo, militante intelectual e fundador do primeiro cineclube do Brasil, Maurice Légeard.
Reino Unido
Registros apontam a chegada de ingleses ao Brasil antes mesmo da Família Real Portuguesa, em 1808. A maior presença deles em Santos é notada na primeira metade do século 20. ''A influência britânica na Independência foi marcante antes e depois de 1822. O primeiro jornal que entrou em circulação no Brasil, o Correio Braziliense, era impresso em Londres'', conta o reverendo Leandro Antunes Campos, da Igreja Anglicana de Santos.
A presença inglesa na região pode ser ainda percebida na arquitetura, como no caso da Estação Valongo,que é uma réplica em menor escala da Victoria Station, em Londres.
A Igreja Anglicana, no José Menino, foi fundada há 101 anos, e é onde o reverendo celebra em inglês missa para os ingleses e descendentes. Outro exemplo é o Clube dos Ingleses, fundado em 1889 como Santos Athletic Club. Era formado por funcionários da São Paulo Railway, Cia City e membros da colônia santista. Mais tarde, já era uma das principais referências da comunidade, com sede na Rua Santa Catarina, 127, José Menino.
Japão
A chegada a Santos do navio Kasato-Maru, em 18 de junho de 1908, com os primeiros 781 imigrantes japoneses para trabalhar nas fazendas de café de São Paulo, deu início a uma história que aproximaria para sempre santistas e japoneses. Hoje, no Brasil, são 1,5 milhão de descendentes.
Várias famílias que foram para o Interior voltaram à Cidade, onde começaram a trabalhar principalmente no ramo pesqueiro. Depois de superar a barreira da língua, se espalharam pelo Saboó (bairro com mais imigrantes), Ponta da Praia, Marapé, Campo Grande e Morro Nova Cintra.
Em Santos, há várias referências da comunidade japonesa, sendo uma das principais a escultura da artista plástica Tomie Ohtake, junto ao mar, no Parque Roberto Mário Santini. Há ainda o Monumento 18 de junho, no Porto, e o Clube Estrela de Ouro FC, na Ponta da Praia, e a Associação Japonesa, na Rua Paraná, 129. ‘’Temos uma forte colônia aqui e a casa é uma referência para a comunidade’’, diz a segunda vice-presidente, Marise Hashimoto. Os imigrantes trouxeram a culinária típica, artes marciais, ikebana e a cultura pop japonesa (animês e mangás).
Grécia
Florianópolis (SC) e Lins (SP) foram as cidades que começaram a receber imigrantes gregos no final do século 19. Mas foi após a Primeira Guerra Mundial, entre 1918 e 1924, que eles vieram a Santos para trabalhar como marinheiros e aduaneiros. Em meio à Segunda Guerra e logo após o seu término, cerca de três mil imigrantes chegaram ao País, espalhando-se por Santos, São Vicente, São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória, Curitiba e Porto Alegre.
''Santos tem forte relação com os gregos na arquitetura, por exemplo. Construções com várias colunas, ideia de espaço, de leveza, são características do estilo grego ou greco-romano. A Bolsa do Café tem parte da fachada nesse estilo'', explica Augusto Cesar Vassilopoulos, descendente grego de 47 anos, professor de história da arte e de danças gregas e com família em Santos.
Ele cita ainda a estrutura circular com vigas suspensas, instalada na avenida da praia, próximo ao Aquário, como outro exemplo de influência arquitetônica.
Países árabes
O Porto de Santos recebeu milhares de imigrantes árabes, que começaram a chegar ao Brasil a partir de 1858. Grande parte de sírios e libaneses. Segundo a sexóloga Márcia Atik, eles embarcavam sabendo apenas que estavam indo para a América, especialmente para os Estados Unidos, mas muitos se surpreendiam ao descobrir que estavam na América do Sul.
Em Santos, eles se dedicaram principalmente ao comércio, seguindo a antiga tradição de mercadores. ‘’Chegavam e normalmente recebiam a ajuda de um amigo, parente, o “brimo”, para juntar dinheiro e abrir o próprio negócio’’, conta Márcia, lembrando que os santistas, assim como todo o País, adotaram o quibe e a esfiha, especialidades árabes consagradas.
Entre as referências, o Clube Sírio-Libanês, na Avenida Costa, 473, que completou 67 anos. ‘’Ele é essencial para uma comunidade tão importante como a nossa, que ajudou a construir a história do Brasil. Realizamos várias atividades para a colônia e devemos oferecer, junto com a Igreja Ortodoxa, um curso de línguas’’, revela a diretora social Cristiane Fatalla.
Países africanos
Santos recebeu milhares de imigrantes africanos durante a escravidão, além de refugiados e imigrantes do Cabo Verde. Hoje, a comunidade cabo-verdiana está totalmente inserida na Cidade. A escola de samba X-9 foi fundada por Eugênio Pedro Ramos, natural daquele país. E a Escola Portuguesa é presidida pelo cabo-verdiano José Augusto do Rosario’’, explica o professor Djalma Moraes.
Segundo Moraes, três quilombos marcaram época: o de Pai Filipe, na Vila Mathias, o Santos Garrafão, no Centro, e o do Jabaquara, implantado por Quintino de Lacerda. Vale falar ainda do carnaval, que se popularizou com o surgimento das escolas de samba nos anos 20, 30. ‘’Era uma chance dos negros de baixa renda comemorarem os dias de festa’’.
Entre expressões culturais e religiões, capoeira, umbanda e candomblé foram difundidas pela Cidade. E as ervas, pimentas, óleo de dendê e pratos como acarajé, abará e mungunzá caíram no gosto de muitos santistas.