Nos próximos meses começa a construção civil da estrutura que vai abrigar o radiotelescópio Bingo, com medidas que se aproximam das de um campo de futebol. Longe das metrópoles e das fontes de poluição eletromagnética, o telescópio, que está sendo construído em São Paulo e será instalado na Serra do Urubu, na Paraíba, já é chamado de “Diamante do Sertão”.
O Projeto Bingo se tornou possível graças ao fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Hoje, o projeto conta também com o fomento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Estão previstas para os próximos meses as verbas internacionais da University of Manchester, do University College, do ETH e da Agência Chinesa de Pesquisas através das Universidades de YangZhou e Jiao Tong.
“Estes são os recursos [do MCTIC] com os quais vamos instalar o canteiro de obras, ligação elétrica e uma parte da construção civil necessária. Atualmente temos os projetos elétrico, hidráulico e de bombeiros já aprovados e estamos no processo de licenciamento ambiental, o que falta para começarmos a obra”, conta Luciano Barosi, investigador principal do Projeto Bingo e professor da Universidade Federal de Campina Grande.
Elcio Abdalla, coordenador do projeto e professor do Instituto de Física (IF) da USP explica que “o impacto do projeto não fica apenas a cargo da construção do radiotelescópio e contempla os três pilares da Universidade ao unir pesquisa, ensino e extensão, que não se restringe ao Estado de São Paulo e que conta com ações também na Paraíba, além das parcerias internacionais”. O Bingo une pesquisadores da China, África do Sul, Reino Unido, Estados Unidos, Portugal, França e Uruguai, que, juntos, vêm pensando em soluções relacionadas à construção do radiotelescópio, construção civil, captação, análise dos dados e ensino.
Bingo, acrônimo para Baryon Acoustic Oscillations in Neutral Gas Observations, será o primeiro telescópio projetado para fazer as detecções das Oscilações Acústicas de Bárions (BAOs) por meio das ondas eletromagnéticas na faixa de rádio. As BAOs são ondas geradas pela interação dos átomos com a radiação no início do Universo e por meio delas será possível medir a distribuição do hidrogênio neutro em distâncias cosmológicas, usando uma técnica chamada de mapeamento de intensidade. Elcio Abdalla explica que é possível “investigar forma e geometria do espaço, incluindo sua taxa de expansão, se soubermos a forma aparente das BAO no espaço exterior e, assim, estudar a energia escura. Em termos um pouco mais técnicos, estaremos medindo os parâmetros cosmológicos que regem a geometria do Universo”.
Estudos recentes têm apontado que o Universo é formado majoritariamente por algo ainda pouco conhecido. Apenas cerca de 5% do Universo é constituído por algo que podemos observar e detectar, a matéria bariônica. Os outros 95% compreendem a matéria escura e a energia escura.
“A proposta principal do Bingo é estudar a energia escura, mas também por meio do telescópio iremos estudar um fenômeno ainda pouco conhecido chamado Fast Radio Bursts“, complementa Abdalla.
As Fast Radio Bursts, ou rajadas rápidas de rádio, são pulsos eletromagnéticos de alta energia com duração de apenas alguns milissegundos. Este fenômeno astrofísico que ainda têm origem desconhecida é um dos objetivos de detecção do radiotelescópio Canadian Hydrogen Intensity Mapping Experiment, Chime. O Telescópio Bingo contribuirá para o estudo das FRB no Hemisfério Sul.
Carlos Alexandre Wuensche, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e investigador principal do Projeto Bingo, explica que o radiotelescópio terá dimensões ainda maiores do que o Rádio Observatório do Itapetinga (ROI), atualmente o principal radiotelescópio do Brasil. Além das parábolas refletoras, o Bingo contará com aproximadamente 50 cornetas dando ao telescópio dimensões que poderão ser vistas de longe e o tornarão um dos maiores radiotelescópios da América Latina. Wuensche celebra: “Contamos com a contribuição de nossos parceiros internacionais, especialmente as dos pesquisadores do Reino Unido, mas a maior parte da tecnologia para a construção está sendo desenvolvida aqui no Brasil”.
Karin Fornazier, pós-doutoranda associada ao Inpe e pesquisadora do Bingo, comenta que “a construção do radiotelescópio, por si só, já é algo realmente impactante dentro do projeto, mas o trabalho dos pesquisadores vai além disso. Há vários pesquisadores, alunos de mestrado e doutorado dedicados a desenvolver a pipeline do Bingo, quer dizer, uma série de etapas e softwares pensados para os processos associados desde a captação até a análise de dados do radiotelescópio”.
A proposta do projeto também contempla uma ampla divulgação de informação e formação para a sociedade em geral e por isso conta com atividades voltadas para a Educação e Divulgação Científica (EDC). O professor Marciel Consani, do Departamento de Comunicação e Artes da ECA, faz parte da equipe da EDC e considera que “a importância histórica da iniciativa reside, sobretudo, em seu potencial para a EDC, tanto no sentido de divulgação científica quanto na vertente de difusão científica – aportando conhecimentos para o conjunto da sociedade”. Ele ressalta a natureza interdisciplinar do projeto ao unir especialistas em física, astrofísica, engenheiros, comunicadores e educadores para as ações voltadas para a divulgação e a educação científica.
Na USP, o Núcleo de Educação e Comunicação (NCE), que vem há mais de duas décadas promovendo o conceito de educomunicação e suas práticas em vários projetos de intervenção social, junto ao poder público e à sociedade civil, também participa do projeto. O professor Claudemir Edson Viana, coordenador do NCE e do curso de Licenciatura em Educomunicação, dá mais detalhes: “Pretendemos apoiar o Projeto Bingo com ações de produção de material para comunicação, participar da elaboração e execução de atividades educomunicativas junto aos integrantes da equipe educativa, bem como junto às comunidades a serem atendidas”.
Na Paraíba, as ações de Educação e Divulgação Científica começaram por Aguiar, cidade que irá abrigar o radiotelescópio. Luciano Barosi conta que a ideia principal é usar a astronomia para o estabelecimento e o fortalecimento de uma cultura steam, ou seja, voltada para a ciência, tecnologia, engenharia, arte e matemática. “Certamente é muito difícil que alguém tenha como objeto do cotidiano um radiotelescópio, mas essa é exatamente a situação da população de Aguiar e desejamos aliar a curiosidade natural que a construção do equipamento causa para incentivar a formação de uma cultura científica nas escolas de Aguiar e, possivelmente, das cidades próximas”, explica o pesquisador. “Essas ações, por enquanto, vêm sendo realizadas em São Paulo e na Paraíba, mas a ideia é de que elas se propaguem pelo País. Para essa finalidade, nosso grupo vem estudando novas parcerias e buscando instituições que possam apoiar a expansão das nossas propostas”, finaliza Elcio Abdalla.
Para saber mais sobre o Telescópio Bingo acesse o site ou a página oficial do Facebook. (Jornal da USP)