Entre 2022 e 2023, total de novos casos na Justiça subiu de 4.320 para 5.256; Paraná é a região do país com o maior número de ações ingressadas nos últimos três anos

De acordo com dados inéditos extraídos do DataJud, o painel de estatísticas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o número de ações de reconhecimento de paternidade ou maternidade socioafetiva teve uma alta de 21% entre 2022 e 2023. Os casos novos que surgiram na Justiça subiram de 4.320 para 5.256 processos. Em 2024, ao menos até abril, um novo volume de 1.953 ações já havia ingressado no Judiciário brasileiro para tratar do tema.

Conforme a definição oficial que consta no Sistema de Gestão de Tabelas Processuais Unificadas do CNJ, que unifica a identificação dos assuntos discutidos em todos os tribunais brasileiros, esse tipo de ação trata do reconhecimento dos laços de pai e mãe com outros indivíduos com base nos princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana. Desse modo, a paternidade ou a maternidade é reconhecida sem que haja laços sanguíneos. Em 2023, o assunto estava entre os mais responsáveis por novas ações relacionadas a registros públicos. O tema tinha um volume menor apenas que o relacionado à retificação de nome; o registro de nascimento; registro de óbito; e a retificação de dados relacionados à hipoteca.

O estado de São Paulo registrou 100 novas ações de reconhecimento de laços socioafetivo entre janeiro e abril de 2024. Entre 2022 e 2023, a variação foi de 25,37% com um salto de 205 para 257 novos processos. Entre janeiro e abril de 2024, o Paraná foi o estado que mais registrou casos novos com um total de 381. Ele também ocupou o topo da lista em 2022 e 2023 com o montante de 830 e 886 novos processos, respectivamente.

E a maior variação entre 2022 e 2023 ocorreu no Mato Grosso do Sul com um percentual de 2.212,5% devido ao salto de 8 para 185 casos nesse período. Em 2024, os estados do Pará e de Rondônia são os únicos estados que ainda não registraram pedidos de reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva até o mês de abril.

"O reconhecimento formal confere ao filho todos os direitos e deveres decorrentes do parentesco. E também é importante porque proporciona segurança jurídica tanto para a criança quanto para os pais. Em caso de separação ou falecimento, os direitos da criança serão respeitados assim como mantidas as responsabilidades dos pais socioafetivos", lembra Wesley Bezerra, advogado com atuação em Direito da Família do escritório Lima Ferreira Advogados.

Bezerra explica que há discussões que costumam chegar aos tribunais brasileiros relacionadas à paternidade ou à maternidade socioafetiva como a disputa pela guarda; a inclusão do nome do pai ou da mãe socioafetiva na certidão de nascimento; e a definição de direitos e deveres decorrentes dessa relação, com destaque para a pensão alimentícia. "Há ainda processos que envolvem o direito à herança, além de disputas com os pais biológicos que não querem aceitar o reconhecimento ainda que os filhos estejam de acordo. Esse tipo de ação também é importante na garantia do pagamento de benefícios por parte do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social)", afirma.

Atualmente, a legislação brasileira regulamenta a parentalidade socioafetiva por meio do Provimento Nº 149 de 30 de agosto de 2023 do Conselho Nacional de Justiça. Segundo o advogado com atuação em Direito da Família do escritório VLV AdvogadosLuiz Vasconcelos Jr, a norma permite que o reconhecimento seja realizado de forma extrajudicial nos cartórios de registro civil.

E a jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) também aponta a possibilidade de que a filiação socioafetiva tenha a mesma validade jurídica que a filiação biológica. “A Constituição Federal, em seu artigo 227, §6º, ainda assegura que todos os filhos têm direitos iguais, independentemente da origem da filiação, protegendo o princípio da dignidade humana e da paternidade responsável. Da mesma forma, o Código Civil no artigo 1.593 prevê o parentesco por afinidade”, acrescenta Vasconcelos.

O especialista afirma, contudo, que a legislação e a jurisprudência atual não conseguem impedir que surjam divergências nos tribunais pelo país. Um exemplo consiste nos casos em que os pais biológicos questionam na Justiça o reconhecimento da socioafetividade. “Apesar disso, nem esse aspecto ou qualquer outro é relevante ao ponto de ser supressivo à questão. A socioafetividade já foi reconhecida como constitucional, legal e possível. O direito brasileiro reconhece outras formas de parentalidade que não implicam laço sanguíneo, como a parentalidade socioafetiva e o próprio instituto da adoção, ambos sem a necessidade de base biológica”, frisa.

Como buscar o reconhecimento

A parentalidade socioafetiva pode ser realizada por via judicial ou extrajudicial. Entretanto, o reconhecimento voluntário da parentalidade só poderá ser desconstituído por via judicial quando houver hipótese de vício de vontade, fraude ou simulação.

Além disso, o suposto pai ou mãe deverá ser ao menos 16 anos mais velho do que o filho a ser reconhecido. Caso não sejam oferecidos documentos que comprovem a socioafetividade, o registrador deverá especificar como ocorreu a apuração do vínculo. E caso o filho seja menor de 18 anos, a parentalidade precisa ter seu consentimento. “Por último, o reconhecimento de paternidade ou maternidade só pode ser realizado de forma unilateral, ou seja, não se registra mais de um pai ou uma mãe no campo filiação do registro civil. Na inclusão de mais do que isso, cabe a via judicial”, orienta Vasconcelos.